Ao abordarmos o tema “preconceito” dentro da Educação Física
Escolar, deparamo-nos com um sério problema que abrange este meio. É
extremamente difícil pensar em práticas pedagógicas inclusivas onde, pois o que
existe hoje, é meramente excludente e pautado no preconceito em todas as suas
formas, seja racial ou por qualquer tipo de diferença.
Desta forma, acreditamos ser o preconceito o
maior problema observado na prática escolar, principalmente na Educação Física,
onde grande parte das questões é abordada de forma mais exposta e clara,
sobretudo no que diz respeito às questões do corpo. Outro motivo é que, devido
o preconceito ser fruto de padrões estabelecidos pela sociedade, o corpo
reflete a principal forma de manifestação deste, sendo que, especialmente na
escola, muitos destes pensamentos são manifestados em forma de críticas, exclusões
e humilhações.
Neste sentido, pautando-se na diversidade
humana e no discurso dominante da universalidade, constituiu-se uma contradição
do contexto escolar onde, aqueles que fogem do padrão estabelecido são julgados
como inferiores e incapazes. Desta forma, não se respeita às diferenças, mas
sim, as julgam e punem aqueles que as possuem.
Ao observarmos tal prática em um país onde as
diferenças raciais são características nacionais, identificamos um problema de
difícil resolução, pois estes valores já foram pré-estabelecidos e desta forma,
criaram-se os pré-conceitos.
Segundo Fischmann (1998),
“tratar da discriminação religiosa e étnica é tratar da possibilidade da Paz”
(p.961). Sendo a escola um sistema social onde os conceitos e pré-conceitos são
passados de gerações a gerações, entendemos que ela é corresponsável pela
formação de uma nova geração que, finalmente, possa respeitar as diferenças.
Formas
mais frequente de preconceito na escola
Racismo
Vivendo em sociedade, os seres humanos devem respeitar-se, uns aos outros.
Todos possuem direitos, porém o direito de um cidadão não pode ultrapassar o
direito de outro. Dallari (1998) afirma que, os direitos humanos no Brasil
passaram a ser discutidos a partir da década de 1970, apesar dos desaparecimentos,
das torturas e dos governos militares ainda imperarem naquela época. Desta
forma, para que seja assegurada a dignidade da pessoa humana, faz-se necessário
refletir sobre a teoria e a prática dos direitos humanos.
Deste modo, vimos na escola o meio ideal para disseminar esta discussão e para
colocá-la em prática, uma vez que é dentro desta instituição que estão
estabelecidas as maiores formas de discriminação e preconceitos, principalmente
o racial, que é algo muito palpável na sociedade brasileira, em razão desta ter
como principal característica a diversidade étnica e racial.
Segundo Rangel (2006), o racismo fere os direitos humanos, na medida em que
discrimina a partir de uma classificação. Como a tendência do ser humano é
classificar tudo que existe, atribuições de juízos de valores foram criadas e
divididas em diferentes categorias. Assim, em nome destes juízos “nos damos o
direito de desprezar ou hostilizar o outro”.
No que se relaciona a escola, sabe-se que é muito mais difícil um indivíduo
negro entrar e/ou permanecer na mesma do que uma pessoa branca ou, quando isto
ocorre, este é geralmente submetido a críticas que o inferioriza de alguma
forma. Tal prática na escola humilha e exclui aqueles que são submetidos à ela
e assim, marginaliza aqueles que não se encaixam nos padrões impostos. Este
fato é comumente observado e, na maioria das vezes, aqueles que deveriam
intervir, como professores e pedagogos, não sabem como fazê-lo ou, outras vezes
são propagadores deste tipo de atitude, o que reforça e estimula o preconceito
ao invés de intervir e combatê-lo.
No âmbito da Educação Física Escolar este tipo de atitude é observado de forma
mais frequente, uma vez que o contato físico, proporcionado pela prática em
ambientes externos estimula algumas manifestações que não são tão comuns dentro
das salas de aula, pois neste ambiente o corpo é visto de forma livre e exposta
do que em outras práticas escolares.
Questões
ligadas ao gênero
Ao falarmos das relações de gênero, ou seja, das diferenças estabelecidas pela
sociedade com relação a homens e mulheres, é válido lembrar que tal assunto vem
sofrendo uma constante mudança, devido a uma resistência do gênero feminino em
ceder às imposições da sociedade que, culturalmente impôs normas de
comportamento e de conduta completamente incoerentes e que, desta forma,
impediu e atrasou em milhares de anos a independência das mulheres no que se
refere a diversos fatores, sejam profissionais, sexuais ou meramente
comportamentais.
Segundo Sousa & Altmann (1999), os sistemas escolares modernos não apenas
refletem a ideologia sexual dominante da sociedade, mas produzem ativamente uma
cadeia de masculinidades e feminilidades heterossexuais diferenciadas e
hierarquicamente ordenadas. Mesmo com essa hierarquização, as construções de
gênero não se opõem, ou seja, o feminino não é o oposto nem o complemento do
masculino.
Porém, mesmo com um avanço acerca deste assunto e, com um grande
desenvolvimento do gênero feminino em todos os aspectos, existe ainda uma
grande discriminação das mulheres no âmbito escolar, principalmente na
disciplina Educação Física em que, frequentemente as mulheres são excluídas de
diversos esportes que foram estigmatizados como “masculinos”.
De acordo com Kunz (1993), em estudo sobre a construção histórico-cultural dos
estereótipos sexuais, no contexto escolar, a Educação Física constitui o campo
onde, por excelência, acentuam-se, de forma hierarquizada, as diferenças entre
homens e mulheres. Assim, muitas meninas são impedidas de participar da prática
esportiva na escola devido a este tipo de preconceito, sendo, algumas vezes, excluída
pelos colegas de sala e outras vezes pelos próprios professores de Educação
Física, que camuflam o seu preconceito em justificativas ignorantes como “os
meninos são mais fortes”, “é para evitar que elas se machuquem” ou até mesmo
“elas não sabem jogar este esporte”.
Tais condutas envergonham profissionais de Educação Física que possuem
propostas interessantes para intervir neste tipo de aspecto e ainda inculcam o
preconceito nestas crianças, pois não só os meninos excluem as meninas como as
mesmas se inferiorizam por não acreditarem que são capazes.
Não pretendemos com este trabalho vitimizar o gênero feminino, pois desta forma
estaríamos ‘aprisionando-as pelo poder’, desconsiderando suas possibilidades de
resistência e estigmatizando o gênero masculino como ‘vilões’, o que não é uma
verdade, já que os meninos também sofrem exclusão no âmbito da Educação Física
Escolar, uma vez que alguns esportes são vistos como exclusivamente femininos,
como a Ginástica Rítmica, a Dança e outras manifestações esportivas.
O preconceito relacionado ao gênero atinge ambas as partes, em magnitudes
diferentes, porém, de qualquer forma, este se mostra presente. E é no meio
escolar e, principalmente nas aulas de Educação Física, que tal diferenciação é
vista de um modo mais freqüente e é por isso que o professor deve estar
preparado para intervir neste processo, discutindo sobre o tema e modificando a
ação dos alunos.
Diferenças
corporais
Outro tipo de preconceito observado na escola diz respeito às diferenças
corporais. A sociedade, ao estabelecer padrões que devem ser seguidos e
perseguidos, trata aqueles que não se enquadram neste contexto como inferiores,
anormais, feios.
A escola mais uma vez é o principal ambiente em que tais pensamentos, criados
pela sociedade, pela mídia e por outras formas de alienação, se propagam. A
mídia e os meios de comunicação de massa impõem padrões estéticos a toda uma
sociedade, fazendo com que as mulheres sonhem em possuir corpos magros e firmes
e homens anseiem por se tornarem fortes. Esta imposição traz sérios problemas
àqueles que não se encaixam neste perfil, pois estes serão sempre criticados,
subjugados e instigados a se transformarem em algo que não são, que não condiz
com sua genética ou com sua personalidade.
Tais situações na escola são vistas de forma muito freqüente e, mais uma vez,
as aulas de Educação Física refletem o meio mais propício para tais manifestações,
pois é nesta aula que os corpos estão expostos a este tipo de marginalização e,
por isso, à mercê do julgamento público.
Portadores
de Necessidades Especiais
A escola, como instituição social, apresenta em seu interior normas de condutas
e comportamentos nos quais estão fundamentadas as diversas práticas
pedagógicas. Neste sentido, o comportamento diferente é logo tido como
deficiente, incapaz de satisfazer às exigências educacionais. Os chamados
“deficientes” são excluídos ou mantidos separados dos “normais” dentro das
instituições escolares.
Diante da luta e resistência dos estigmatizados, frente ao seu estado de
desumanização, o próprio sistema social elabora instituições escolares
especiais com o intuito de manterem a ordem através de práticas
assistencialistas e reprodutivistas que buscam corrigir os erros dos
“desviantes”, mantendo-os em um estado de conformismo com a realidade de
desigualdade (Brasil, 2003).
Nesse contexto, os problemas que regem a relação da escola e dos colegas de
classe com os portadores de necessidades especiais não se limitam ao
preconceito sofrido por eles, o que é algo extremamente visível, mas também ao
despreparo dos professores e funcionários da escola para lidar com as
diferenças individuais. Por isso, na maioria das vezes, mantém-se o aluno
excluído do resto da turma e sem nenhum tipo de atenção especial que colabore
para o seu desenvolvimento escolar.
Essas atitudes são notadas em toda a escola, em todas as aulas e com todos os
profissionais envolvidos. Porém, as aulas de Educação Física expõem ainda mais
esta marginalização, sendo que os portadores de necessidades especiais, na maioria
das vezes, não são estimulados a aprender com os demais e nenhum tipo de
atividade diferenciada em que todos possam participar de forma irrestrita é
proposta.
Neste sentido, portadores de necessidades especiais sofrem algum tipo de
marginalização em vários aspectos na escola, mas principalmente nas aulas de
Educação Física, seja por preconceito na forma de exclusão ou de inferiorização
ou até mesmo pela má formação dos professores, que não sabem como incluí-los em
suas aulas.
Formas
de intervenção
Nas
aulas de Educação Física o professor assume o papel de formador do cidadão, não
só pela ótica fisiológica e/ou motora, mas também pelo viés da formação do
indivíduo como um todo. Neste sentido, é papel do professor de Educação Física
a transmissão do saber elaborado, desvinculado de qualquer valor que vise à
reprodução de preconceitos, discriminação e subordinação.
Ao professor de Educação Física cabe intervir na formação de valores dos
indivíduos, colocando em discussão assuntos como preconceito racial, étnico, de
gênero, relacionado a parâmetros estéticos ou a qualquer tipo de diferença
entre os mesmos. Ou seja, é importante que o professor de Educação Física
aborde os assuntos no momento em que eles acontecem para que se cause uma
reflexão por parte dos alunos sobre a ocasião ou problema ocorrido.
A respeito dos portadores de necessidades especiais, cabe ao professor adequar
as atividades desenvolvidas nas aulas de Educação Física às deficiências dos
alunos, sem, no entanto, inferiorizá-los. O esporte e as práticas pedagógicas
nas aulas devem ser vistas como um modo de inclusão social e não de fixação de
preconceitos estabelecidos pela sociedade.
A discussão e abordagem desse tema, nas aulas de
Educação Física, devem ser práticas constantes, a fim de formar indivíduos
isentos de preconceitos, críticos e conscientes das diferenças que cercam a
sociedade. Assim sendo, serão capazes de promover um respeito mútuo.